Após o primeiro resumo sobre o SXSW 2021, no segundo dia de festival, separei algumas palestras sobre design e reservei um tempo no final do dia para o aguardado painel do Yuval Harari, historiador, e Mayim Bialik, atriz (a Amy de Big Bang Theory), autora e neurocientista.

Discussão SXSW 2021: Como criar produtos e serviços para um mundo novo?

Abaixo fiz um compilado de ideias que encontrei em 3 painéis diferentes, algumas ideias inclusive aparecendo mais de uma vez em diferentes lugares.

Design para tempos de mudança

Benjamin Hubert – Layer

Inovação responsável: seja rápido e conserte as coisas

Ed Doran – Senior Director Microsoft

Wally Brill – Head of Conversation Design Advocacy & Education Google

Karin Giefer – Design Leader Amazon

Chioma Ume – Senior Design Research Lead IDEO

Martha Cotton – Global Co-lead Fjord, Part of Accenture Interactive

O ano de 2021 é um território inexplorado, em 2020 muitas empresas foram repensadas do zero, algumas empresas criaram produtos e serviços completamente novos, o consumidor teve contato com uma transformação digital acelerada.

Para ajudar a mapear esse mundo novo, a Fjord fez um relatório de tendências que pode ser baixado aqui.

tendências comentadas no sxsw 2021 e mapeadas pela Fjord da Accenture

Essas mudanças geraram dois movimentos convergentes: usuários mais exigentes e empresas menos avessas a mudanças. Mudar está se tornando o novo status quo, pelo menos para a geração mais inovadora de designers responsável por muitas dessas mudanças.

Durante o processo de convergência do Design Thinking existem três fatores principais a serem considerados:

1. O cliente deseja essa solução?

2. A solução é possível de ser criada do ponto de vista técnico/prático?

3. Essa solução é viável para o negócio da empresa?

desenho de uma nova visão do design thinking compartilhada no sxsw 2021

Para o mundo que vivemos é preciso acrescentar novas lentes, como por exemplo:

4. A solução é transparente para o cliente? (ele entende as operações e intenções da empresa?)

5. A solução é inclusiva?

6. A solução é sustentável?

7. A solução respeita a privacidade dos dados do cliente?

painel sobre inovação no SXSW 2021

O cliente já não se importa apenas se um produto ou serviço resolve um problema (desejo), ele espera que esse produto ou serviço contribua para o futuro da humanidade de forma construtiva.

O momento que vivemos é uma oportunidade de repensar o design:

– Repensar o processo;

– Repensar a equipe;

– Repensar materiais;

– Repensar objetivos;

– Repensar governança.

painel sobre tecnologia e inovação no sxsw 2021

Mais do que nunca é preciso pensar nas consequências e limites do que é criado, com a tecnologia cada vez mais acessível mais pessoas têm usado a tecnologia tanto para o bem quanto para o mal.

Karin Giefer da Amazon trouxe um ótimo framework para pensar nos impactos da sua criação:

STEEPLE

– Social

– Technologic

– Environment

– Economic

– Political

– Legal

– Ethical

Ao criar um produto todo designer deveria refletir sobre os impactos sociais, tecnológicos, ambientais, econômicos, políticos, jurídicos e éticos.

Inclusive é o momento de olhar criações antigas e repensá-las sobre esse novo framework!

Por que tememos a inovação?

Abaixo vou reproduzir alguns dos pensamentos e idéias de Harari e Bialik.

“A humanidade tem medo de mudança, mesmo com a pandemia do coronavírus, vamos continuar abraçando assim que todos estiverem vacinados”.

Um olhar para o passado

“Historicamente, revoluções que buscam mudar muitas coisas muito rápido são um desastre. E é normal termos essa resistência à mudança. 

Uma das grandes revoluções da nossa espécie foi a agricultura, mas talvez o fazendeiro de milhares de anos atrás não tenha ficado muito feliz com isso: ele trabalhava mais que outros membros da sociedade, e ficava mais doente, uma vez que grande parte das doenças foram passadas do reino vegetal para a humanidade. Resolvemos o problema da escassez de alimentos, mas criamos o problema das epidemias.

Yuval Harari participando do SXSW 2021

Para quem vive fora do mundo da inovação muitas das novidades tecnológicas que acompanhamos no dia a dia podem ser assustadoras, muita gente apostou que a internet em 1995 não ia dar certo, quem viu um microondas em 1986 ficou maravilhado com água esquentando quase que espontaneamente”.

Um parênteses rápido aqui: minha avó conta que na primeira vez que um avião sobrevoou a cidade dela, as pessoas se esconderam na igreja e começaram a rezar achando que era o fim do mundo. Fecha parênteses.

Bialik participando do SXSW 2021

“A ciência nos conta uma aproximação da verdade, a versão da verdade moldada pelas pesquisas mais recentes. Porém a ciência não consegue unir as pessoas, porque as pessoas não são unidas pela verdade.

O que une as pessoas são as histórias, e a maioria das histórias são ficções.

Temos uma dificuldade de raciocinar em torno de informações. Quando a imprensa começou havia livros mais encantadores do que os livros científicos, como por exemplo os livros sobre caça às bruxas. As informações nesses livros fizeram milhares de mulheres serem executadas.

Do mesmo jeito que na idade média se acreditava numa informação, simplesmente porque estava num livro, hoje muitos acreditam em uma informação por estar na internet.

Uma informação não é a verdade, ficção e mentiras são informações também.

Uma das grandes dificuldades em auto-avaliar como processamos essas informações vem do fato que, ao questionarmos e refletirmos sobre uma informação, gastamos tempo pensando e avaliando como nos sentimos e como aquilo afeta a sociedade, mas não necessariamente usamos argumentos racionais ou lógicos. Pensar nem sempre envolve a razão, muitas vezes pensamos emocionalmente ou socialmente. 

Também é preciso nos desarmarmos como sociedade, e nos abrir para o diálogo. Não há problemas em ser cético, não há problemas em fazer perguntas, o único problema é querer afirmar sobre algo que não se conhece. 

Nós já fomos muito ingênuos como sociedade, no princípio da internet acreditava-se que ela tornaria o mundo um lugar melhor. Definitivamente temos mais acesso ao conhecimento e entretenimento, mas também temos mais canais para disseminação de notícias falsas”.

Uma visão para o futuro

“Não existe uma única tecnologia no mundo que não tenha um lado ruim. Você pode usar uma faca para comer, fazer cirurgias, ou matar pessoas. Você pode usar uma rádio para divulgar músicas ou fazer lavagem cerebral nas pessoas. Não temos que acabar com a tecnologia, temos que acabar com a ingenuidade  nos prepararmos como sociedade para os possíveis maus usos.

Um bom exercício é, pensar na pior pessoa que você conhece, o que ela faria com uma tecnologia dessas? A partir daí você pode trabalhar na tecnologia ou na legislação para evitar esses problemas.

Infelizmente as mentes mais brilhantes do nosso tempo investem seu tempo e energia para clicarmos mais em anúncios (e eles são bons nisso) quando existem tantos outros problemas mais relevantes para o nosso futuro.

Porque não investem seu tempo, por exemplo, em criar um app que, ao clicar em um político, aponte todos os parentes e amigos que esse político indicou para cargos públicos? Resolveríamos boa parte da corrupção do mundo!

As fakes news usam nossas fraquezas contra nós. Ao perceber que temos preconceito com algum grupo da sociedade elas usam esse preconceito para contar uma história que nos convença. O mesmo algoritmo que identifica nossa preferência por alguns temas deveria nos alertar quando estão usando esse tema para nos manipular, como um antivírus mental.

As empresas de tecnologia precisam se dar conta que, quando estão escrevendo algoritmos para os seus produtos e serviços, de certa forma, estão programando a sociedade. Nós estamos sendo manipulados o tempo todo, é difícil criar essa consciência, vivemos na ilusão de que temos pleno controle sobre nossas ideias e crenças.

E toda a nossa sociedade é baseada em crescimento, as pessoas vivem em sistemas econômicos com a promessa de um futuro melhor porque a economia vai crescer.

Como encontrar uma forma melhor para crescer? Em alguns temas, como por exemplo, inteligência artificial, deveria haver um comitê internacional para dividir os avanços com todos os países, para que a sociedade como um todo crescesse simultaneamente.

Outra ideia seria se todo cientista doasse 5% do seu tempo para explicar temas complexos para a humanidade.

Estamos no melhor momento da história da humanidade, nunca se viveu tão bem quanto agora, estamos numa era onde acidentes matam mais pessoas do que violência no planeta.

Nós somos a geração mais preparada para lidar com essa pandemia, só não conseguimos resolver por um fracasso político ou falta de sabedoria”.

Publicado originalmente no blog da Digital House.