A edição SXSW 2021 acontece inteiramente online, e por consequência disso, a maior parte das palestras e painéis foi gravada anteriormente, imagino (e concordo) que foi para evitar possíveis problemas técnicos.
Desta forma, diversas sessões foram liberadas para transmissão já no primeiro dia, então a cobertura será basicamente sobre as palestras que eu decidi assistir naquele dia e mais algumas coisas que foram liberadas aos poucos ao longo da semana 🙂
Essa é a 6ª edição do SXSW que tenho o prazer de assistir e espero que vocês gostem dos insights que vou compartilhar por aqui no nosso blog ao longo dos próximos dias.
SXSW 2021: Jornada para um cérebro melhor
Iain McIntyre – Ceo – Humm
Vivienne Ming – Founder & Executive Chair – Socos
A Humm é uma startup que está pré-lançando um dispositivo que estimula seu cérebro por 15 minutos e melhora a performance do seu cérebro e sua memória por 90 minutos.
Neste painel um dos convidados foi Vivienne, Phd em neurociência com 20 anos de experiência em pesquisas nessa área.
Durante a palestra, Vivienne explica um pouco sobre a ciência por trás da estimulação cerebral e outros avanços da neurociência e da neurotecnologia.
Se olharmos a história da neurociência, o EEG (Eletroencefalografia) para movimentar um cursor no computador é algo que já tem 20 anos, o que mudou é o avanço tecnológico, tanto na eletrônica, para miniaturizar o leitor de EEG, quando na inteligência artificial para organizar esses dados e permitir leituras mais elaboradas. Juntos com esses avanços também temos próteses mais desenvolvidas, mais leves, mais resistentes, mais avançadas.
Quando você combina tudo isso, temos próteses movimentadas por “ondas” cerebrais.
Alguns ramos da neurotecnologia se desenvolveram mais rapidamente do que outros, em função do tipo de entendimento necessário para fazê-los funcionar. O uso de EEG para movimentar próteses, por exemplo, precisa ler a atividade do cérebro, mas não precisa interpretá-la detalhadamente.
Ao compilar os dados de diferentes pessoas foi possível criar um modelo que permite a interpretação do padrão dessa atividade, mesmo sem saber explicar exatamente porque aquelas células estão fazendo aquilo.
Humm: um produto que te deixa mais…feliz?
Produtos como o Humm usam o que se chama de “estimulação transcraniana de corrente alternada”, não entendeu? Nem eu! Mas Vivienne Ming explica que é uma espécie de neto da “estimulação do nervo vago” e filho da “estimulação cerebral profunda”, todos métodos onde você estimula o cérebro com eletricidade (de baixa voltagem não é choque!).
Esses métodos no passado mostraram-se eficientes para tratar desde depressão até Parkinson, o problema é que, antigamente, não se sabia o porquê de funcionar. Porém, nos últimos anos começou-se a entender a relação entre as partes do cérebro e como esses estímulos permitiam que essas áreas se comunicassem melhor ou funcionassem de forma diferente.
Além de potencializar sua memória e performance mental, é possível estimular suas emoções com métodos parecidos com esse, deixando você mais feliz e não apenas relaxado, por exemplo.
Parece incrível né? Porém como toda criação da humanidade pode ser usada para o bem ou para o mal.
A Dra. Ming já trabalhou numa startup onde, lendo dados de movimentação de um indivíduo através do celular (GPS, giroscópio, acelerômetro) e comparando com os padrões de movimentação de uma pessoa bipolar, eles conseguiram detectar episódios de bipolaridade com antecedência.
Chegou um momento na pesquisa onde eles sabiam afirmar na base de usuários quem era bipolar, mas nunca levaram essa informação a público, pois o objetivo do app não tinha nada a ver com saúde.
Imagine se um algoritmo desses cai em mãos erradas e pessoas decidem demitir ou admitir em processos profissionais e educacionais pessoas baseadas na análise de seus dados “mentais”? O pior é que a tecnologia já existe, mas não há legislação para isso.
Os investidores da neurotecnologia
Atualmente, Mark Zuckerberg e Elon Musk, respectivamente donos do Facebook e da Tesla, 2 entre os 5 homens mais ricos do mundo, estão investindo em empresas de neurotecnologia.
Imagine você usando o Oculus VR (produto do Facebook para realidade virtual) que vem embutido com um estimulador para te deixar feliz e clicar em anúncios?
Ok, não precisa ficar paranóico, ninguém acha que Mark Zuckerberg vai fazer algo assim que pode gerar tanta repercussão negativa para seu negócio e felizmente o conhecimento da tecnologia não é monopólio do Facebook. Entretanto, já vivemos experiências no passado onde as pessoas sabiam que algum tipo de manipulação estava sendo feita e não se importavam, como o conhecido escândalo da Cambridge Analytica contado no documentário “O Dilema das Redes”.
Proibir uma tecnologia que pode curar o Alzheimer e proporcionar muitos anos adicionais de vida para muitas pessoas que sofrem de problemas mentais no final da vida não parece o caminho, o jeito é nos informarmos e exigirmos, enquanto é possível, legislação para não usar essas tecnologias para o mal.
A Dra. Vivienne tem uma sugestão: governos trabalharem para que dispositivos que melhoram a performance mental sejam um direito de todos, que você pode abrir mão se não quiser ser “turbinado”, mas, caso você tenha interesse, não seja algo que possa ser negado em função da sua situação financeira. Se por um lado podemos salvar vidas, por outro podemos aumentar ainda mais o abismo social entre ricos e pobres.
Dispositivos como o Humm devem ser lançados ainda esse ano (2021), e talvez nesse momento, você já tenha disputado algum concurso ou processo seletivo com alguém usando um aparelho desses. Já pensou nisso?
Amy Webb lança relatório de tendências de tecnologias emergentes de 2021
Essa é uma das palestras mais aguardadas todos os anos, Amy Webb é futurista, autora, fundadora e CEO do Future Today Institute. É uma espécie de Pelé da futurologia, e engana-se quem acredita que Amy faz previsões sobre o futuro, ela compila sinais e apresenta cenários!
O relatório de 2021 tem mais de 500 tendências, um incremento de 22% em relação a 2020. O crescimento deste ano tem uma causa principal, o COVID-19 e dois desmembramentos: as tecnologias criadas para diminuir os problemas de saúde física e mental relacionados à pandemia e as tecnologias criadas para os negócios continuarem existindo apesar da pandemia.
Para projetar as tendências o FTI analisa as tecnologias disponíveis para diferentes setores da economia, sinais fracos (ainda em pesquisa ou desenvolvimento), sinais fortes (produtos disponíveis no mercado ou protótipos funcionais que podem se popularizar rapidamente) e baseado nisso montam tendências do que deve dominar mercados existentes ou criar novos mercados.
Com base nessas tendências, a equipe do FTI, liderada por Amy, faz projeções (e não previsões) de possíveis cenários futuros apresentando riscos e oportunidades. Com esses riscos e oportunidades em mãos, Amy espera que nós, indivíduos, empresas e governos, sejamos capazes de tomar melhores decisões.
O relatório de 2021 ficou tão grande que foi dividido em 12 relatórios setoriais!
Cada tecnologia é apresentada com insights, exemplos, impacto disruptivo e uma lista de players emergentes, que não são necessariamente os maiores ou mais conhecidos, mas aqueles que provavelmente você não conhece e deveria olhar mais de perto.
Além disso, para cada tecnologia você encontra uma página adicional com 4 tipos de recomendações: Estratégia, Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento e Risco.
Você pode baixar os relatórios aqui. Pronto! Você já tem leitura de tecnologia pro resto do ano 🙂
Brincadeiras à parte eu aconselho você a ler com cuidado pelo menos as partes mais próximas da sua profissão, área do conhecimento, empresa ou mercado onde você está inserido.
A seguir segue um resumo de algumas tendências que ela apresentou:
O auge da IoT: o que já temos e o que vem por aí
Ela chamou esse primeiro conjunto de tendências de YoT (You of Things), que seria uma espécie de Internet das Coisas (IoT), porém onde tudo está conectado em você!
Essa tendência inclui desde dispositivos “vestíveis”, como relógios inteligentes e pulseiras, dispositivos implantados em nosso corpo como marcapassos, e chips para medir sinais vitais como batimentos cardíacos ou eletroencefalograma até dispositivos na sua casa que interagem diretamente com seu corpo, como uma cama inteligente que resfria para você dormir ou aquece para você acordar, uma lixeira que escaneia seu lixo ou uma privada inteligente que analisa tudo que você elimina do seu corpo. Sim, todos esses exemplos já existem!
Em um cenário positivo esses produtos ajudam você a controlar sua saúde de forma reativa (enviando seus dados para o médico) ou proativa (recomendado que você beba água, coma vegetais, etc.)
Em um cenário catastrófico você pode ter seu corpo ou sua casa hackeados ou ter sua vida controlada por uma empresa (companhia de seguros te manipulando para fazer algumas coisas senão seu seguro sobe de valor) ou governo (você ter acesso a determinados serviços como saúde o coleta de lixo dependendo de como você cuida da sua casa ou da sua vida).
Talvez você leia esses riscos e decida que é melhor não usar nada disso, mas e se eu te disser, que as pessoas que usam isso tem descontos das companhias de seguro, descontos de impostos do governo e vivem de 10 a 15 a mais por conta do monitoramento e recomendações de saúde? Não é uma decisão muito simples no final das contas né?
E falando sobre os tipos de tecnologia…
Nesse segundo conjunto de tendências, Amy fala de mudanças na nossa realidade provocadas por diferentes tecnologias.
Assistive Reality – são tecnologias que te ajudam a fazer coisas, como por exemplo Brown Noise, uma frequência de ruído que te ajudam a manter o foco enquanto trabalha ou estuda (tem no Spotify se você quiser usar da próxima vez que precisar se concentrar).
Diminished Reality – tecnologias que removem coisas ao seu redor, podem ser óculos inteligentes que apagam pessoas ou objetos em tempo real da sua visão, ou dispositivos de cancelamento de som que eliminam vozes ou ruídos.
Imagine ir em um restaurante e, se você não gostar de alguém que está numa mesa perto de você, é possível “cancelar” essa pessoa. Apesar de ser possível criar ambientes mais relaxantes, tecnologias desse tipo podem ser danosas à sociedade: o que acontece se ao invés de recolher o lixo, nós apenas apagarmos digitalmente? Ou se ao invés de acolher os moradores de rua nós desaparecermos com eles através das janelas dos ônibus, carros e outros veículos?
Outros exemplos de realidade modificada incluem:
- Um dispositivo que toca uma frequência desagradável que apenas jovens escutam, dessa forma é possível afastar adolescentes de alguns locais!
- Video games que melhoram a concentração de quem tem TDAH (e só podem ser jogados com prescrição médica!).
- Pessoas criadas digitalmente que podem usar informações pessoais para parecer mais realistas (imagine uma inteligência artificial ministrando um treinamento e falando coisas da sua vida no meio da conversa), ou podem até parecer com alguém que já morreu (usando dados de mídias sociais ou outros conteúdos).
Muito se fala dos deep fakes para se falsificar uma pessoa, porém você pode ter um deep fake gerenciado por você, que permitiria você estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, participando de palestras, reuniões, aulas, etc. Imagine as possibilidades de ser “mais de uma pessoa”?
A palestra apresenta um monte de outras tecnologias, e eu recomendo muito que você baixe o relatório e reflita sobre os impactos dessas tecnologias na sua vida.
Toda tecnologia pode ser usada para o bem ou para o mal, toda tecnologia tem o potencial de mudar completamente o mercado onde você está inserido, no final das contas os futuros possíveis já estão disponíveis no presente e você tem chances de preparar sua empresa e carreira para o futuro.
Não desperdice seu tempo tentando evitar o futuro ou manipular o futuro, não tem como ter certeza de que alguma coisa vai acontecer ou deixar de acontecer, mas você pode estar preparado para algumas possibilidades e não ser pego de surpresa quando o futuro chegar.
Publicado originalmente no blog da Digital House.