Como a tecnologia está modificando nossas experiências? A pandemia nos forçou a mudar e repensar a forma como nos divertimos, aprendemos, trabalhamos e convivemos uns com os outros. Com isso surgiram muitas oportunidades de criar novas experiências e melhorar experiências existentes, e este foi um dos pontos bastante discutido ao longo do SXSW 2021.

Este é o último conteúdo sobre o festival, mas você pode conferir o resumo do primeiro diasegundo dia, e terceiro dia, se quiser. Para hoje, selecionei uma série de palestras sobre o futuro das experiências, desde festivais de música a uma nova forma de transporte.  

Vamos refletir sobre desenhar novas experiências usando tecnologia, design, arquitetura e sentidos.

Sem espectadores: multiversos virtuais criados pela comunidade

Vanessa Mathias – Co-Founder – White Rabbit

Kim Cook – Director, Creative Initiatives – Burning Man Project

Timothy Waldron – Courier Club

Génifère Legrand – Chief Creative Officer – C2 Montréal

Infodemia é um um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico. Quando começou a pandemia os eventos presenciais foram suspensos e vivemos uma enxurrada de webinars e eventos online, não faltou informação, mas foi difícil lidar com esse novo fluxo.

Ainda sentimos muita falta dos eventos presenciais: falta de contato humano, networking, happy hours, conversas aleatórias fora das salas de conteúdo que muitas vezes fechavam negócios, permitiam trocar de emprego ou até encontrar um novo amor.

Vejamos como cada um desses festivais lidou com a transição para o digital:

Courier Club

Ao invés de cancelar a turnê, a banda Courier Club criou um festival no Minecraft chamado Block By Blockwest.

block by blockwest no sxsw 2021

Foram mais de 30 bandas, havia merchandising à venda e sessões de bate-papo com algumas bandas onde você perguntava num chat de texto e os músicos respondiam por voz.

Burning Man

Foi criada uma versão virtual da Black Rock City, a cidade temporária no meio do deserto deu espaço a uma cidade digital composta de múltiplos universos. Você podia navegar do seu computador, do celular, usando óculos de realidade virtual, etc.

novo conceito do burning man online no sxsw 2021

Era possível participar de várias experiências que incluíam jogos, chats, shows de música, exposições de arte, interagir com objetos 3D, criar seu acampamento virtual, etc.. Vale a pena ver o vídeo para entender um pouco mais.

C2  

Foi criada uma edição online com conteúdo ao vivo distribuído ao longo de 10 dias que também poderia ser acessada posteriormente.

A ideia de distribuir o conteúdo ao longo de mais dias (geralmente o evento acontece em 3 dias) vem do entendimento que, por não estar presente fisicamente, muitos participaram do evento em paralelo ao seu dia-a-dia com reuniões de trabalho e filhos em casa.

Dentro de uma plataforma online era possível interagir com participantes de qualquer lugar do mundo.

O futuro híbrido

Foi um consenso entre os participantes de que o futuro dos eventos deve ser híbrido.  A tecnologia ainda vai demorar muito tempo para trazer para o ambiente online os ganhos e vantagens de se encontrar presencialmente e talvez algumas dessas experiências nunca serão digitalizadas.

A dúvida é: como fazer isso?

Integrar a versão online com a presencial é o desafio sobre o qual todos estão debruçados no momento. Talvez soluções como Microsoft Mesh possam ajudar nesse sentido, mas ainda tem a questão do custo envolvido que não é acessível para todo participante, mesmo dos eventos voltados para um público com maior poder aquisitivo.

painel sobre realidade virtual no sxsw 2021

Pessoalmente passei por situações muito parecidas ao converter o FuTeCH Summit (antigo Social Media Week São Paulo) para o mundo digital e junto com meus amigos da Tambor (que organiza o evento em parceria comigo) percorremos os passos discutidos no painel:

É preciso decidir rapidamente e  dar um “salto de fé” –  Quando decidimos fazer o FuTeCH Summit online não tínhamos nenhuma certeza de que daria certo, mas acreditamos que, se planejássemos o máximo possível, a comunidade (participantes e patrocinadores), embarcaria conosco nessa jornada.

Buscar inspirações nos games – às vezes essa inspiração é muito mais simples do que criar um festival no Minecraft ou uma cidade virtual como os exemplos que vimos aqui. No FuTeCH Summit foram adotados canais de áudio (através do Discord, uma plataforma muito usada por gamers) onde os participantes podiam interagir entre si, com os palestrantes e os patrocinadores.

Encontre o que une sua comunidade – Decidir como seria o evento online partiu da premissa de que o que os participantes do FuTeCH Summit valorizavam principalmente 2 aspectos do evento: conteúdo e networking, então esse foi o nosso foco ao pensar em soluções digitais para nossa transição. 

O caminho para os artistas no futuro

Tim Westergren – Founder & CEO – Sessions (Founder of Lollapalooza)

Marc Geiger – Savelive (Ex CEO & Founder of Pandora)

Muitos artistas hoje contam com as plataformas digitais (Facebook, Instagram, YouTube, Twitter, Snapchat, Spotify, SoundCloud, Tencent Music, etc..) para se relacionarem com o seu público. 

A vantagem dessas plataformas é que a “fricção” é baixa (os fãs já estão lá) e o custo é zero (artistas ganham seguidores naturalmente nessas plataformas ao contrário de empresas que na maioria das vezes precisam investir muito).

desvantagem dessas plataformas é que os fãs não são seus, eles pertencem a plataforma. Aqui Tim traz uma reflexão: o músico não é expert em marketing, na maioria das vezes ele não sabe o que fazer se tivesse um banco de dados de fãs, ou seja, o esforço para o futuro não é sobre brigar com as plataformas, é sobre pensar de que outras maneiras você pode interagir com o seu fã e criar novas opções de monetização.

painel sobre o futuro das artistas e da música no sxsw 2021

A solução: criar novas experiências

Criar uma loja online hoje é fácil com plataformas como Shopify (ou Mercado Shops no Brasil por exemplo) onde ele pode vender todo tipo de merchandising (camisetas, bonés, canecas, discos de vinil, cartões autografados, etc.)

Abrir um canal de patrocínio no Patreon (ou Catarse Assinaturas no Brasil), em troca de alguns benefícios simples (uma newsletter, ter seu nome divulgado no site) até coisas mais exclusivas (bater um papo com o artista) é possível obter um apoio recorrente.

Licenciar suas músicas e imagem: muito além de permitir que sua música seja usada em filmes e séries, é possível vender o licenciamento  para Podcasts, Games ou ainda criar brinquedos, perfumes, acessórios, etc.. tudo com pagamento de royalties regulares ou mediante um grande investimento único.

O importante é pensar do ponto de vista dos fãs, e a partir daí pensar em categorias: produtos de comunicação, digitais, físicos, customizados, para imprimir em casa, etc…

O mais importante é ter a mente aberta e entender que o mundo da música vai continuar a se transformar frequentemente e essa mudança é liderada principalmente pelos fãs que querem consumir música de outras maneiras, não adianta querer brigar com as plataformas, elas estão atendendo as necessidades de um público.

Esqueça o medo: as táticas que os profissionais de marketing precisam agora

Nancy Harhut – Chief Creative Officer – HBT Marketing

Medo é um estímulo poderoso para o marketing, falar que a promoção vai acabar logo, que são as últimas unidades, isso provoca um medo de perder uma oportunidade, de ficar de fora de uma tendência da moda.

Em tempos de pandemia, usar medo como gatilho de vendas pode afastar seu cliente completamente de você. Nessa palestra Nancy deu algumas ideias de como usar outros motivadores para criar uma melhor experiência de compra para o seu consumidor, desde o consumo da sua propaganda até o checkout.

Faça seu cliente se sentir no controle

As pessoas adoram estar no controle, atualmente vivemos numa era onde perdemos parte do controle sobre nossas próprias vidas. Fomos forçados a mudar a forma como trabalhamos e nos divertimos.

– Dê opções aos seu cliente: 2 a 4 opções são suficientes, muitas opções podem tornar sua escolha difícil

– Diferentes tipos de produto, diferentes formas de pagamento

– Descreva de forma clara todo o processo de compra e vá sinalizando quais são os próximos passos

– Lembre-o a todo momento que ele pode devolver, desistir, para e continuar depois, etc…

Deixe sua propaganda fácil de entender

– Use números para gerenciar expectativas:

Números ímpares

10 ou múltiplos de 10

Use o numeral e não o número por extenso.

– Faça rimas: é mais fácil para o cérebro processar

– Evite fundos escuros sobre letras claras, ou uso exagerado de itálico

– Use nomes fáceis de pronunciar

– Use listas e subtítulos

– Compare o preço dos seus produtos com coisas do dia-a-dia (um cafezinho, uma cerveja, etc…)

Use prova social

– Elimine o medo de testar algo novo adicionando depoimentos de outros clientes felizes

– Mencione a quantidade de clientes que você tem: quanto mais pessoas usando mais novos compradores se sentem à vontade de comprar

– Adicione fotos de pessoas reais usando o produto ou serviço

– Mostre o que pessoas parecidas com seu consumidor estão fazendo

– Certifique de que os depoimentos, fotos, etc. são realistas se tudo parece muito bonito ou feliz demais não parece real, clientes céticos dão ótimas provas sociais

Quer mais dicas? Nancy oferece uma planilha que você pode baixar aqui.

Projetando a Experiência do Passageiro Hyperloop

Sara Luchian – Director Of Passenger Experience – Virgin Hyperloop

John Barratt  – Ceo – Teague

Jakob Lange – Partner – BIG – Bjarke Ingels Group

Joel Beckerman – Founder, Composer – Man Made Music

O Hyperloop é um meio de transporte onde cápsulas levitando por magnetismo se deslocam dentro de um tubo a vácuo, a velocidade possível é de 1220 km/h e um protótipo sul coreano já ultrapassou 1.000km/h

Apesar de ser um serviço completamente diferente dos produtos e serviços que entregamos no dia-a-dia, eu adorei a reflexão ao redor da criação e design.

Primeiro é preciso entender que todo o setor do transporte está passando por uma mudança agressiva nos próximos 20 anos. 

Montar carros elétricos é mais barato, o que vai levar em algum momento, assim que demanda e oferta forem equacionados, a veículos mais baratos (ou talvez até de graça), que gastam menos, são mais confortáveis e poluem menos. Alguns lugares do mundo já estão proibindo carros a combustão.

A aviação também está investindo em biocombustíveis, um dos grandes atrativos aqui são as cadeias de produção e fornecimento mais curtas e controláveis. A extração do petróleo, seu refino em combustível e o transporte, aliado às tensões político-econômicas  no mundo tornam a gasolina/querosene de aviação muito cara e instável como componente do custo. Ou seja, há a preocupação com a sustentabilidade não somente na questão poluente, mas na questão de independência financeira do setor.

Nesse cenário complexo está surgindo um novo modelo de transporte, que tem de vencer o ceticismo que novas invenções experimentam, a competitividade com a soluções existentes e todos os traumas relacionados a meios de transporte em geral.

transporte público hyperloop no sxsw 2021

As equipes de som (Man Made), design exterior (BIG) e interior (Teague) tem vários desafios para resolver:

Não  repetir os erros do passado: é muito fácil querer incorporar soluções já existentes dos trens, aviões, etc. Mas a realidade é que não gostamos de muitas coisas nesses meios de transporte, então porque não aproveitar a oportunidade para se reinventar?

Projetar um design realista: a experiência do Hyperloop não é para um mundo futurista. Há planos para lançar um trajeto reduzido em 2022 em Dubai, entre 2025 e 2030 na Índia.

Ser inclusivo: 15% da população mundial (segundo os painelistas), tem algum tipo de deficiência, somado a esse público tem os introvertidos, claustrofóbicos, neuro divergentes, etc.  Como fazer todos terem acesso e se sentirem confortáveis?

Pensar em toda a jornada: A viagem não começa no avião ou no aeroporto, começa ao sair de casa. A equipe do Hyperloop pensa na jornada desde a sua chegada ao complexo de embarque/desembarque, passando por compra de passagem, segurança, etc. É preciso diminuir a fricção em cada ponto.

Pensar nos detalhes: A luz natural na estação, a luz dentro da cabine indicando a hora do dia e dando a sensação de deslocamento, o som e o silêncio criando a sensação de mudança de ambiente. Tudo isso afeta as emoções e o conforto dos passageiros.

Novas tecnologias precisam ser convidativas e confortáveis, não importa se é um app, um eletrônico ou uma viagem num túnel de vácuo a 1000 km/h.

O que é paladar?

Jonathan McIntyre – CEO – Motif FoodWorks

Dominique Crenn – Chef – Atelier Crenn

Rachel Herz – Phd Professor – Brown University and Boston College

Ben Pook – Co-Founder – So Vegan

O paladar envolve uma combinação entre emoções, memórias, texturas, sabores, aromas e visão. É a forma como  o cérebro interpreta os 4 tipos de sabores  (salgado, azedo, doce, amargo) somados ao aroma.

Há uma parte do paladar que possui influência genética, algumas pessoas têm uma percepção mais aguçada (e acabam preferindo sabores menos intensos pois eles sentem muito), outras tem um paladar menos sensível (e preferem sabores mais fortes)  e há um grande público entre esses 2 extremos.

Outra parte do paladar é desenvolvido por influência cultural, depende do que te servem desde a sua infância. Essa parte pode ser continuamente ensinada ao longo da vida.

Um aspecto interessante da influência cultural é que ela era predominantemente geográfica, porém hoje com o mundo online você pode ter influências de qualquer lugar através da internet.

Comer envolve satisfazer nossas necessidades nutricionais, mas também envolve satisfazer nosso prazer. Comer é um dos maiores prazeres da humanidade.

painel sobre paladar no sxsw 2021

Um chef de cozinha é como um design de experiências que procura satisfazer tanto nosso prazer quanto necessidades nutricionais.

Para isso é possível trabalhar a qualidade e origem dos ingredientes, a montagem visual, a história do prato, as especiarias que vão modificar o aroma e até o prato em si

Um prato com detalhes caramelo reforça a sensação de algo doce e um prato azul acentua a percepção do salgado. 

Uma história mexe com as emoções e memórias relacionadas àquela comida em nossa mente. A história também mexe com nossa percepção da comida, a lagosta por exemplo já foi comida dada a prisioneiros, depois virou iguaria cara e agora é considerada fast-food nos Estados Unidos.

É possível induzir alguém a experimentar algo novo usando formas e aromas conhecidos. E não há nada de mal nisso.  Novas experiências são importantes para as pessoas e ao longo do tempo, conforme nos transformamos, nossa percepção muda e novas experiências nos ajudam a redescobrir quem somos.

Se você comeu algo enquanto estava doente existe uma grande chance de evitar aquele prato no futuro, basicamente é um mecanismo de sobrevivência que tenta evitar que você “coma veneno” novamente. Ou seja, se alguém viveu uma experiência ruim você precisa oferecer uma nova experiência para a pessoa se arriscar novamente.

Como foi a experiência online do SXSW 2021?

Uma das melhores coisas da experiência online é a possibilidade de acessar conteúdos gravados a qualquer momento. Termino minha cobertura por aqui, mas ainda verei algumas palestras que me chamaram a atenção e estarão disponíveis até meados de abril.

Senti falta de um pouco mais de interatividade apesar de reconhecer que a organização do evento se esforçou colocando alguns palestrantes para interagir no chat das salas, com sessões no Clubhouse e até uma versão em realidade estendida do festival onde pessoas podiam se encontrar com seus avatares.

Porém a experiência ao vivo das sessões de música, acompanhar demonstrações de novas tecnologias, ver filmes na tela grande, encontrar pessoalmente para conversar sobre as palestras (ao invés do grupo do WhatsApp).  Perguntar no microfone e ver a cara do palestrante reagindo a sua pergunta. Experimentar a comida de Austin e todas as experiências sensoriais. Tudo isso parece insubstituível.

Porque eu digo “parece” e não que “é” insubstituível? Nós temos eventos presenciais desde que a humanidade surgiu, reconhecemos o valor da presencialidade. Ainda estamos engatinhando em termos de eventos online, digitais e virtuais. Já reconhecemos alguns benefícios como o deslocamento e consumo sob demanda dos conteúdos, mas creio que ainda há muito que aprender. 

Eventos digitais vão se tornar melhores, sem necessariamente acabar com os presenciais. Assim como raramente uma tecnologia mata sua predecessora, eu também acredito que o  futuro é híbrido  e sei que vamos descobrir juntos como é o aprendizado do futuro.

Publicado originalmente no blog do Digital House.